Por Cláudio Santos
Duas cidades pernambucanas encabeçam um ranking indesejável no país:
elas foram as que mais decretaram emergência nos últimos 10 anos por
estiagem, segundo levantamento do G1 junto aos dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec).
Santa Cruz, a cerca de 670 km do Recife,
foi a cidade que mais decretou emergência: 16 decretos desde 2003 (14
por estiagem). O mais recente é de março deste ano, durante uma das
piores secas que atinge vários estados do Nordeste.
O município vizinho, Lagoa Grande, apresentou 15 decretos: 14 por estiagem e um por excesso de chuva.
A equipe de reportagem do G1 visitou as duas cidades, onde moradores relatam a vida à base de água salgada. Já as autoridades reclamam do abandono.
Santa Cruz
Com pouco mais de 13 mil habitantes, a cidade do sertão do São Francisco não registrou um quarto da média de chuva prevista para os primeiros cinco meses deste ano, segundo a Agência Pernambucana de Águas e Climas.
Com pouco mais de 13 mil habitantes, a cidade do sertão do São Francisco não registrou um quarto da média de chuva prevista para os primeiros cinco meses deste ano, segundo a Agência Pernambucana de Águas e Climas.
A Prefeitura de Santa Cruz considera esta a pior seca dos últimos 47
anos na região. A estiagem prolongada afeta quase 70% da população.
Desse total, 67,5% estão na zona rural. A pouca chuva, segundo os
técnicos, não foi suficiente para encharcar o solo, encher cisternas e
reservatórios naturais. Aguadas e barreiros estão repletos de lama e os
poços estão no limite mínimo da capacidade.
Por que tantos decretos?
Para a prefeitura, o reconhecimento dos decretos de emergência pela seca serve como um pedido de socorro aos governos estadual e federal. No entanto, as autoridades municipais afirmam que os recursos repassados não foram suficientes para melhorar a vida nesse pedaço do semiárido.
Para a prefeitura, o reconhecimento dos decretos de emergência pela seca serve como um pedido de socorro aos governos estadual e federal. No entanto, as autoridades municipais afirmam que os recursos repassados não foram suficientes para melhorar a vida nesse pedaço do semiárido.
"Não dá para dizer que o governo estadual não tem ajudado, mas acho que
o nosso município deveria ter mais prioridade nos projetos. Até o
momento, os recursos não foram suficientes", diz a prefeita Eliane Maria
Soares.
Água salgada, preços também
"A gente aprendeu na marra a usar pouca água por causa da seca, mas neste ano está pior e a produção foi pequena", diz o agricultor Odair Gomes, que sobrevive da Barragem Gentil, em meio à zona rural de Santa Cruz. A plantação de tomates chama a atenção no meio da paisagem sem verde, mas, segundo os moradores, a água é salobra e usada somente nas plantações na região.
"A gente aprendeu na marra a usar pouca água por causa da seca, mas neste ano está pior e a produção foi pequena", diz o agricultor Odair Gomes, que sobrevive da Barragem Gentil, em meio à zona rural de Santa Cruz. A plantação de tomates chama a atenção no meio da paisagem sem verde, mas, segundo os moradores, a água é salobra e usada somente nas plantações na região.
Gomes, agricultor, e seus tomates. Com a
seca, ele usa água salobra no cultivo na zona
rural de Santa Cruz (Foto: Luna Markman/G1)
seca, ele usa água salobra no cultivo na zona
rural de Santa Cruz (Foto: Luna Markman/G1)
O pasto está seco e o rebanho, emagrecendo, segundo José Morais, que
toca o gado pela estrada de terra em busca de água, todos os dias. "Vai
secando ali, a gente corre para buscar água em outro canto. Sempre foi
assim. Até os bichinhos chegarem no limite", afirma.
A falta de chuva também matou a plantação de palma que o agricultor
José Gomes de Souza tinha. "Usava [a água] para alimentar os animais,
agora estou pagando por ração para não perder cabeça de gado", conta.
Com culturas abaladas, o preço das frutas e verduras aumentou 75% no
comércio local. Na venda de Maria Valdete Silva, os produtos como
tomate, goiaba, jerimum e beterraba agora custam R$ 2,50 o quilo, R$ 1
mais caro do que o preço normal. "As vendas caíram muito", reclama.
Com a agricultura abalada pela seca, os preços
dos produtos subiram até 75% na venda de dona
Maria Valdete. O cacho de banana passou de
R$ 1,50 para 2,50. (Foto: Luna Markman/G1)
dos produtos subiram até 75% na venda de dona
Maria Valdete. O cacho de banana passou de
R$ 1,50 para 2,50. (Foto: Luna Markman/G1)
Mandacaru queimado
Enquanto o preço aumenta nas feiras, o oposto acontece com o gado. O criador Modesto Batista foi à unidade da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro) em Santa Cruz tentar um financiamento do Banco do Nordeste para comprar ração animal.
Enquanto o preço aumenta nas feiras, o oposto acontece com o gado. O criador Modesto Batista foi à unidade da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro) em Santa Cruz tentar um financiamento do Banco do Nordeste para comprar ração animal.
"Tenho 16 cabeças de gados e elas estão comendo mandacaru queimado.
Dependo deles para sobreviver. Na última seca forte, fui trabalhar em
São Paulo, mas agora não vale mais a pena, porque não tem emprego
sobrando", diz.
Segundo a prefeitura, quase toda a plantação de milho e feijão foi
perdida na cidade e os agricultores estão procurando terras irrigadas em
Petrolina (PE), também no Sertão pernambucano, mas banhada pelo Velho Chico.
'É uma loteria'
A prefeita afirma que o município precisa de verba para abertura de poços e construção de grandes barragens. "Nesses últimos cinco anos, perfuramos apenas 19 poços e só três deram água boa. Outros cinco, nem o gado bebe, de tão salgada. É uma loteria. E eu tenho medo de gastar mais dinheiro nisso, pois para a gente é muito caro. É de R$ 13 mil a 15 mil para perfurar só um", argumenta.
A prefeita afirma que o município precisa de verba para abertura de poços e construção de grandes barragens. "Nesses últimos cinco anos, perfuramos apenas 19 poços e só três deram água boa. Outros cinco, nem o gado bebe, de tão salgada. É uma loteria. E eu tenho medo de gastar mais dinheiro nisso, pois para a gente é muito caro. É de R$ 13 mil a 15 mil para perfurar só um", argumenta.
Nem a palma, que é resistente à estiagem, está durando nas terras de Santa Cruz, Pernambuco (Foto: Henrique Zuba / TV Globo)
"A gente decreta situação de emergência para justificar esses gastos e
também para pedir ajuda financeira", complementa o secretário de
Agricultura, Fabrício Marques.
"Sabemos que a escassez de água é um problema recorrente aqui, o que
causa um déficit na agricultura, prejudicando as safras. Também afeta o
peso do boi. Então, temos que abastecer o povo com carro-pipa e fazer
algumas obras, como abertura de cacimbas [espécie de poço artesiano mais
raso]", diz Marques.
Segundo o secretário, quase todo o município é abastecido por
carro-pipa no período da seca. A prefeitura gasta cerca de R$ 80 mil por
mês para contratar 12 veículos. Somente neste ano, desde março, já
foram pagas 950 horas de aluguel por uma máquina que abre cacimbas. Cada
hora vale R$ 110. Desde 2007, também foram 55 mil horas na limpeza de
açudes e barragens.
Medição do Instituto de Tecnologia (Itep) mostra a
capacidade da barragem Cacimbas
(Foto: Luna Markman/G1)
capacidade da barragem Cacimbas
(Foto: Luna Markman/G1)
Fim da linha
Além de barragens com a capacidade reduzida, cisternas secas e açudes poluídos, a Adutora Oeste, da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), está há mais de 45 dias sem levar água do Rio São Francisco para os moradores da área urbana, que está a 164 km do leito do rio.
Além de barragens com a capacidade reduzida, cisternas secas e açudes poluídos, a Adutora Oeste, da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), está há mais de 45 dias sem levar água do Rio São Francisco para os moradores da área urbana, que está a 164 km do leito do rio.
A companhia afirma que um problema na captação de água entre 20 de
abril e 11 de maio deste ano, na cidade de Orocó, prejudicou o
bombeamento em cidades assistidas, mas que a situação foi corrigida.
Com relação a Santa Cruz, a Compesa diz que a água ainda não foi
suficiente pois a cidade está no fim do ramal de distribuição e a água
chega com menor pressão. A duplicação da Adutora Oeste é objeto de
estudo, informa.
A companhia diz ainda que enfrenta problema com furtos de água da adutora. Uma operação localizou 45 ligações clandestinas em maio.
A Barragem Cacimbas, que abastece a zona urbana de Santa Cruz, está com
a capacidade reduzida e deve secar até setembro, de acordo com
avaliação preliminar da Apac. O Açude Venerada, que na década de 1960
abastecia a população para banho e lavagem de roupa no Centro de Santa
Cruz, hoje está poluído e a água é imprópria para consumo.
Verbas federais e estaduais
Com os decretos de emergência, municípios pedem auxílio financeiro do governo federal em períodos em que não conseguem, por conta própria, arcar com problemas causados por desastres naturais. Essa verba chega mais rápido, e as cidades também podem dispensar licitações e planos de trabalho para gastá-la.especial seca na bahia
Com os decretos de emergência, municípios pedem auxílio financeiro do governo federal em períodos em que não conseguem, por conta própria, arcar com problemas causados por desastres naturais. Essa verba chega mais rápido, e as cidades também podem dispensar licitações e planos de trabalho para gastá-la.especial seca na bahia
No caso da estiagem, a verba é proveniente do Ministério da Integração.
Segundo dados do Portal da Transparência do governo federal, a mais
significativa para Santa Cruz veio somente em 2009, quando R$ 290 mil
foram liberados para uma ação chamada de "reabilitação dos cenários de
desastres".
O G1 procurou a pasta para que o destino da verba
fosse detalhado, mas o ministério não se pronunciou até a publicação
desta reportagem. Antes, o ministério repassou, entre 2004 e 2005, R$
96.234,21 para a recuperação de barragens públicas.
Já a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (Sara) de Pernambuco
diz possuir dados apenas de 2010 a 2012. Nesse período, houve
distribuição de sementes, crédito fundiário e revitalização de culturas.
A pasta diz também que o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural
(ProRural) entregou 238 cisternas e construiu a barragem Cacimba das
Graças, que custou R$ 176,4 mil e beneficia cerca de 200 famílias. Ambos
os projetos foram concluídos.
Agricultor mostra até onde água chegava na Barragem Cacimbas, em Santa Cruz (Foto: Luna Markman / G1)
(O Jornal Nacional da última quinta-feira (23) mostrou que a
seca no Nordeste é a pior das últimas quatro décadas e mostrou a
situação de cidades que sofrem com a estiagem. Veja no vídeo ao lado.)
Hoje, 96% das famílias que vivem na zona rural possuem cisternas, segundo o secretário de Agricultura.
Já a barragem, inaugurada em maio de 2011, é o único reservatório de
água potável de Santa Cruz, usada para abastecer povoados em sítios
distantes do Centro. Com a seca, hoje só está com 10% da capacidade.
Entre os dias 14 e 18 de maio, o Instituto Agronômico de Pernambuco
(IPA) recebeu R$ 112,5 mil do governo estadual para perfuração de 15
poços com profundidade de 4 a 10 metros. A obras já começaram.
Nos últimos seis anos, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São
Francisco e do Parnaíba (Codevasf) fechou pelo menos 32 projetos para
oferecer água aos municípios localizados na região do submédio São
Francisco. Entre eles está a cidade de Santa Cruz.
Entre os contratos estão a perfuração e recuperação de poços, aguadas,
barreiros, barragens públicas na zona rural do município, além da
entrega de cisternas. A Codevasf afirma ainda que implantou o sistema de
esgotamento sanitário do Centro da cidade.
Açude Venerada acumula lixo e não serve mais para abastecer o centro da cidade (Foto: Luna Markman / G1)
Plano emergencialA Sara informa que serão
investidos R$ 514 milhões em medidas emergenciais e estruturadoras para
enfrentar a estiagem em Pernambuco, como a contratação de 800
carros-pipa, a implantação de 1.175 sistemas de abastecimento d'água
simplificados e construção de 440 barragens dentro do Programa Águas
para Todos, além da entrega de 36 mil cisternas, em parceria com o
governo federal.
O governo estadual antecipou R$ 4 milhões da contrapartida para pagamento do benefício do Programa Garantia-Safra para 112 mil agricultores. Quem tiver perda de safra acima de 50%, recebe um seguro de R$ 680. A previsão é que o pagamento da primeira das cinco parcelas de R$ 136 seja paga em julho. Quem não estiver inscrito no Garantia-Safra vai receber do governo federal o Bolsa Estiagem, no valor de R$ 400.
O governo estadual antecipou R$ 4 milhões da contrapartida para pagamento do benefício do Programa Garantia-Safra para 112 mil agricultores. Quem tiver perda de safra acima de 50%, recebe um seguro de R$ 680. A previsão é que o pagamento da primeira das cinco parcelas de R$ 136 seja paga em julho. Quem não estiver inscrito no Garantia-Safra vai receber do governo federal o Bolsa Estiagem, no valor de R$ 400.
Nenhum comentário:
Postar um comentário