" Sigo em frente, pra frente eu vou
sigo enfrentando as ondas onde muita gente naufragou ..."



quarta-feira, 23 de maio de 2012

Jornalistas baianos repudiam atitude de repórter da Band-BA em carta aberta


Nesta terça-feira (22/5), jornalistas baianos divulgaram uma carta
 aberta repudiando os abusos cometidos por programas policialescos 
na Bahia. A nota foi emitida após reportagem do "Brasil Urgente" com
 a repórter Mirella Cunha, da Band-BA, ganhar repercussão nacional 
nas redes sociais. 
Reportagem gerou polêmica entre internautas e imprensa

No vídeo, Mirella entrevista um jovem negro que acabara de ser preso
 acusado de assalto e estupro. No vídeo, o jovem assume o assalto, mas
 quando diz que não houve estupro, a repórter afirma ele “queria estuprar”.

Na sequência da matéria, o jovem nega várias vezes o crime e pede para
 a vítima fazer o exame para provar sua inocência. Confuso, ele solicita que
 façam o exame de "próstata" em vez de corpo de delito. Mirella Cunha
 ainda chama o detido de estuprador e tira sarro pelo fato dele não saber
 ao certo para que serve o exame.

Diversos blogs e jornalistas repudiaram a atitude da repórter da Band.
 Agora, profissionais da imprensa baiana rechaçam a atitude da jornalista 
em nota oficial. A iniciativa dos jornalistas reflete a indignação com 
"atos comumente praticados por programas noticiosos no Estado da Bahia".

De acordo com o texto, "provoca a indignação dos jornalistas abaixo-assinados 
e motiva questionamentos sobre a conivência do Estado com repórteres
 antiéticos, que têm livre acesso a delegacias para violentar os direitos
 individuais dos presos, quando não transmitem (com truculência e
 sensacionalismo) as ações policiais em bairros populares da região 
metropolitana de Salvador".

A nota ainda retoma o artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas 
Brasileirosque diz que "é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, 
ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios
 expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos".
 Para os jornalistas, "o direito à liberdade de expressão não
 se sobrepõe ao direito que qualquer 
cidadão tem de não ser execrado na TV, ainda que seja suspeito
 de ter cometido um crime". 

Além disso, os autores da carta ressaltam que a responsabilidade 
dos abusos comumente cometidos no Estado não são apenas dos 
repórteres, mas também dos produtores do programa, da
 direção da emissora e de seus anunciantes.

Por fim, o documento pede aos órgãos competentes que acompanhem
 o caso e garantam que o acusado tenha seus direitos garantidos e seja
 julgado com imparcialidade.

Acompanhe o texto na íntegra:


Carta aberta de jornalistas sobre abusos de programas 
policialescos na Bahia

"O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
Numa cidade onde falta
Verdade, honra, vergonha."
(Gregório de Mattos e Guerra)

  Ao governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner.
À Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia.
Ao Ministério Público do Estado da Bahia.
À Defensoria Pública do Estado da Bahia.
À Sociedade Baiana.

 A reportagem "Chororô na delegacia: acusado de estupro alega
 inocência", produzida pelo programa "Brasil Urgente Bahia" e 
reprisada nacionalmente na emissora Band, provoca a indignação
 dos jornalistas abaixo-assinados e motiva questionamentos sobre a
 conivência do Estado com repórteres antiéticos, que têm livre acesso a
 delegacias para violentar os direitos individuais dos presos, quando não
 transmitem (com truculência e sensacionalismo) as ações policiais em
 bairros populares da região metropolitana de Salvador.

A reportagem de Mirella Cunha, no interior da 12ª Delegacia de Itapoã, e
 os comentários do apresentador Uziel Bueno, no estúdio da Band, afrontam
 o artigo 5º da Constituição Federal: "É assegurado aos presos o respeito à 
integridade física e moral". E não faz mal reafirmar que a República Federativa 
do Brasil tem entre seus fundamentos "a dignidade da pessoa humana".
 Apesar do clima de barbárie num conjunto apodrecido de programas 
policialescos, na Bahia e no Brasil, os direitos constitucionais são
 aplicáveis, inclusive aos suspeitos de crimes tipificados pelo Código Penal.

Sob a custódia do Estado, acusados de crimes são jogados à 
sanha de jornalistas ou pseudojornalistas de microfone à mão, 
em escandalosa parceria com agentes policiais, que permitem 
interrogatórios ilegais e autoritários,
 como o de que foi vítima o acusado de estupro Paulo Sérgio, escarnecido
 por não saber o que é um exame de próstata, o que deveria envergonhar mais profundamente o Estado e a própria mídia, as peças essenciais para a 
educação do povo brasileiro.

Deve-se lembrar também que pelo artigo 6º do Código de Ética 
dos Jornalistas Brasileiros, "é dever do jornalista: opor-se ao arbítrio, 
ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios
 expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos". 
O direito à liberdade de expressão não se sobrepõe ao direito que 
qualquer cidadão tem de não ser execrado na TV, ainda que 
seja suspeito de ter cometido um crime.

O jornalista não pode submeter o entrevistado à humilhação pública, 
sob a justificativa de que o público aprecia esse tipo de espetáculo ou 
de que o crime supostamente cometido pelo preso o faça merecedor 
de enxovalhos. O preso tem direito também de querer falar com 
jornalistas, se esta for sua vontade. Cabe apenas ao jornalista inquirir. 
Não cabem pré-julgamentos, chacotas e ostentação lamentável de um
 suposto saber superior, nem acusações feitas aos gritos.

É importante ressaltar que a responsabilidade dos abusos não é
 apenas dos repórteres, mas também dos produtores do programa,
 da direção da emissora e de seus anunciantes - e nesta última 
categoria se encontra o governo do Estado que, desta maneira, 
se torna patrocinador das arbitrariedades praticadas nestes programas.
 O  governo do Estado precisa se manifestar para pôr fim às arbitrariedades;
 e punir seus agentes que não respeitam a integridade dos presos.

Pedimos ainda uma ação do Ministério Público da Bahia, que fez diversos 
Termos de Ajustamento de Conduta para diminuir as arbitrariedades dos 
programas popularescos, mas, hoje, silencia sobre os constantes abusos
 cometidos contra presos e moradores das periferias da capital baiana.

Há uma evidente vinculação entre esses programas e o campo político, 
com muitos dos apresentadores buscando, posteriormente, uma carreira
 pública, sendo portanto uma ferramenta de exploração popular com
 claros fins político-eleitorais. 

Cabe, por fim, à Defensoria Pública, acompanhar de perto o caso de
 Paulo Sérgio, previamente julgado por parcela da mídia como "estuprador",
 e certificar-se da sua integridade física. A integridade moral já está arranhada.

Salvador, 22 de maio de 2012.

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