Três anos após tragédia do voo 447, ainda há divergência sobre culpados


Por Cláudio Santos
Familiares das 228 vítimas do voo AF-447 receberam na véspera do terceiro aniversário da tragédia - lembrado hoje - uma boa notícia: entre 30 de junho e 5 de julho, os relatórios finais do acidente serão, enfim, apresentados. O problema é que as duas investigações paralelas, da Justiça e do Escritório de Investigação e Análise para a Aviação Civil (BEA), serão contraditórias.
Enquanto a primeira deve reforçar as suspeitas de negligência da Air France e da Airbus, já indiciadas por homicídio culposo, a segunda insistirá em responsabilizar os pilotos. Durante os três primeiros anos de investigação, todas as atenções da imprensa e das famílias das 228 vítimas - 58 brasileiras - se concentravam no trabalho dos peritos do BEA, que realizaram as buscas em alto-mar à procura dos destroços do Airbus A330 e das caixas-pretas. O último relatório parcial dos técnicos, de julho de 2011, deixa claro que o escritório apontará falhas de pilotagem como o principal fator para a queda.
Segundo essa lógica, o comandante da aeronave, Marc Dubois, de 58 anos, e seus copilotos, David Robert, de 37, e Pierre-Cedric Bonin, de 32, reagiram de forma inadequada ao congelamento das sondas pitot, que orientam todo o sistema de navegação. Com a pane, um dos copilotos, Bonin, com o apoio de Robert, levou o avião a ganhar altitude excessiva, até a perda de sustentação, que levaria ao choque com o Atlântico.
Em seu relatório, a ser divulgado em 5 de julho, o BEA deverá recomendar que os pilotos sejam mais bem treinados. Ontem, Martine Del Bono, porta-voz do escritório, informou à Radio France International (RFI) que o BEA também recomendará à Agência Europeia para Segurança Aérea (Easa) que aperfeiçoe o funcionamento do alarme de perda de sustentação, para que ele não deixe de funcionar com precisão em caso de erro na indicação de velocidade. Ainda assim, na visão do BEA, a maior responsabilidade cabe aos pilotos.
Essa conclusão não satisfaz especialistas e familiares de vítimas. 'O BEA não é um organismo independente. Ele depende do Estado francês, que é acionista da Air France e da Airbus', criticou Yassine Bouzrou, advogado das famílias.
Justiça. Com as dúvidas que pesam sobre o BEA, a investigação da Justiça da França cresceu em importância. Comandada pela juíza de instrução Sylvie Zimmerman, a apuração já tinha resultado no indiciamento das duas companhias, Air France e Airbus, por homicídio culposo, em março de 2011. Agora, toda a expectativa gira em torno do relatório dos cinco experts independentes, que será publicado em 30 de junho.
Embora o processo corra em segredo de Justiça, o Estado obteve alguns elementos do que deve ser apontando por esse relatório. A primeira conclusão é de que ele inverterá o raciocínio do BEA: a eventual falha dos pilotos teria sido induzida por lacunas de treinamento - o que responsabilizaria Air France e Airbus - e por falhas eletrônicas que tornam a pilotagem de um A330 muito complexa. O erro dos pilotos, segundo essa lógica, seria uma consequência que contribuiria para o acidente.
Por outro lado, a Justiça não deve apontar a falha das sondas pitot como a causa essencial do acidente. Especialistas franceses como Gérard Arnoux e Henri Marnet-Cornus advertem que desde que os sensores da marca francesa Thales foram substituídos pelos da americana Goodrich, a Air France nunca mais registrou casos de pane. Sylvie Zimermman, porém, não parece convencida dessa tese. Se o fato se confirmar no relatório judicial, o grau de responsabilidade da Airbus pode ser reduzido. O Estado procurou Air France e Airbus, que se negaram a fazer comentários.