Por Cláudio Santos
Exportadora de uva e manga para Europa e Estados, considerada a Califórnia brasileira, a região do Vale do São Francisco expõe bolsões de miséria que contrastam com a riqueza dos pequenos afortunados irrigados pelas águas do Velho Chico.
No assentamento Mandacaru, a 17 km das margens do rio, em Petrolina, é possível se deparar com gado morto na estrada, a queima de xique-xique para evitar a dizimação do rebanho e um desfile incessante de gente com lata d´água na cabeça.
Na BR que dá acesso ao distrito de Rajadas, o sítio Porteira virou cemitério de gado. Ali, encontramos três novilhas mortas junto de um cachorro que faziam a festa dos urubus. “Todo dia tem notícia de boi e vaca mortos pela seca aqui. O pasto acabou e a água que tem é muito pouca”, diz Hermenegildo Garcia da Silva, agricultor na região.
Falar de falta de água a menos de 17 km do rio da Integração Nacional é inacreditável. As águas do São Francisco só chegam em abundância nos projetos de irrigação dos ricos. Para os pobres, só em carros pipas. Que o diga “seu” Francisco Elionaldo, 77 anos, do assentamento de nome bastante sugestivo: Terra da liberdade.
Longe da beira do rio, o Vale do São Francisco exibe uma face de horror no rastro da maior seca dos últimos 50 anos. A região mais atingida é a de sequeiro, que começa em Rajadas, passa por Afrânio e chega até Dormentes, no oeste do Sertão Pernambucano, próximo da divisa com o Piauí.
Distrito de Petrolina, Rajadas deveria ser abastecida pela Adutora do São Francisco, construída com a finalidade de levar água também aos municípios de Afrânio e Dormentes. Mas o líquido sumiu das torneiras e só chega aos lares dos seus moradores através de carros-pipas. Açudes, barreiros e até cisternas secaram.
Em Rajadas, uma pequena comunidade de sete mil habitantes a 78 km de Petrolina, a seca destruiu tudo, até o reservatório que reforçava o abastecimento da população. O açude Rajadas virou um poço de lama. Sua água esverdeada, no entanto, ainda alimenta os bichos e serve para os afazeres domésticos.
O sítio Baixa de Furnas, outrora produtor de milho, feijão e mandioca, agora só dispõe de mandacaru. Ali, José Ailton, na esperança de trovoadas, queima a jurema e prepara a terra para o plantio. “As notícias são ruins, mas ainda prefiro acreditar no poder de Deus”, diz ele, mostrando esperança em dias melhores.
José Ailton, que é vigilante da Prefeitura em Rajadas, diz que só está conseguindo sobreviver por causa do emprego público e também do bolsa-família, que contemplou a sua mulher, Rosilene.
A 100 metros da sua terra, que mais parece um deserto, José Batista Bagogi, 42 anos, perdeu seis ovelhas e duas vacas. Está desesperado. “Nunca vi uma seca judiar tanto com os animais como essa. Quem conseguir fazer o milagre de salvar os bichos vai se transformar em herói”, diz ele.
O caminho de Pau Ferro, Rajadas, Afrânio e Dormentes é o mesmo que dá nos projetos de irrigação Maria Teresa e Pontal, um dos maiores investimentos do Governo Federal que praticamente paralisou na era Lula. Na semana passada, o ministro da Integração, Fernando Bezerra Coelho, anunciou a retomada do Pontal e o início do projeto Cana do Sertão, que, segundo o ex-deputado Osvaldo Coelho, é a redenção do São Francisco.
Se Lula não tivesse paralisado por oito anos e Dilma por mais dois anos os projetos públicos de irrigação provavelmente Jaime de Assunção Silva, 44 anos, não teria perdido toda a sua lavoura e não estaria vendo suas criações ameaçadas pela falta de ração e, principalmente, de água.
“Havia uma promessa de a gente ter aqui um pedaço de terra irrigado num lote dado pelo Governo, mas nunca mais falaram nisso”, lamenta o agricultor George dos Santos Alves, do sítio Pau Ferro, pertencente ao município de Petrolina.
Maria Ivonete da Silva, 33 anos, se revolta em ter que pagar R$ 150 por um carro-pipa estando a menos de 20 km da beira do rio São Francisco. “Com tanta água nesse rio, pagar esse preço para não morrer de sede e deixar os animais morrerem é uma vergonha”, desabafa revoltada com os políticos.
Em Afrânio, divisa com o Piauí, água também virou artigo de luxo. Chico e Luzinete, do restaurante Aconchego do Sabor, no centro da cidade, pagam R$ 30 por uma carrada de mil litros de água, porque a Compesa só distribui água na cidade uma vez por semana diante do colapso na Adutora do São Francisco.
No ritmo que os pipeiros estão retirando a água do principal manancial da cidade, a tendência é o açude secar rapidamente. “Se isso ocorrer, a gente vai ficar até sem opção de comprar água”, diz Chico, temendo o pior para a cidade, que à sombra, nesses dias de calor infernal, chega a registrar 40 graus.
Fonte: Magno Martins
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