" Sigo em frente, pra frente eu vou
sigo enfrentando as ondas onde muita gente naufragou ..."



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Reféns da seca II




Por Cláudio Santos
Continuando as reportagenes do jornalista Magno Martins, nosso blog reproduz  as matéria sobre aseca que assola nossoestado.
No trajeto de vidas secas, percorrido por este blogueiro desde segunda-feira passada, os personagens mudam, mas o retrato é o mesmo. Tanto faz a cidade, o local ou a estação. O semblante de fome, desesperança e da longa agonia se reflete nas palavras, nos gestos, nas emoções, muitas vezes de pingos de gente, outras de gente com ramificações no poder.
Como é o caso do aposentado Gilberto Ferreira, 66 anos, o primo pobre do ex-presidente Lula. Um ano mais jovem do que o parente famoso que se fez gente na vida, Gilberto não é o de Casa Grande e Senzala, que morava entre jardins respirando o ar puro de Apipucos. É o Gilberto de Os Sertões, o Gilberto euclidiano.
Que sofre e faz novena para São Pedro fazer chover em Caetés, terra seca, de onde saiu o primo rico para governar o País. Gilberto é refém da seca, que lhe tirou o sossego e bens, como dez reses que teve que vender por R$ 5 mil, para não vê-las cair mortas num pedaço de terra árido que tem no sítio Lages, vizinho a Vargem Comprida, onde nasceu e viveu até aos oito anos o primo do Planalto Central.

Caetés também é reino não encantado, mas alucinado de Bardilha, que enlouqueceu por outras razões, mas respingadas também pela seca, que tira tudo das pessoas, inclusive a saúde. Negro, esfarrapado e mal cheiroso, Bardilha vive a esmolar pelas ruas da terra de Lula, sem rumo e sem documento.
Crianças ingênuas e até mesmo adultos sem sentimento se divertem com as imitações de Bardilha na praça central de Caetés. Sua obra prima é o lobisomem, para assustar crianças, como ele fez numa imagem clicada por este blogueiro. Mas, na realidade, Bardilha é mais uma vítima da fome que o poder público se nega a banir das plagas nordestinas, onde a seca mutila e arruína legiões de excluídos.

No mundo vasto e aterrorizante dos sertões, em que a fome rima com morte, Marquinhos, de apenas dois anos, alivia o calorzão tomando banho com água barrenta num balde exposto ao sol em frente da sua casa, no sítio Santo Antônio do Tará, em Pedra, onde seu pai Mauro de Almeida está perdendo a batalha contra seca.
Na brava tentativa de resistir sem as armas que o poder central lhe nega, como financiamento para compra de ração, Mauro perdeu 14 vacas boas de leite e está ameaçado de ficar sem o restante do plantel – duas novilhas, um jumento e um cavalo.

Ali próximo, de roçadeira nos ombros, “Seu” José Antônio Feitosa, que sonha acordado com a volta da chuva, faz bico cortando madeira, especialmente algorabeira, que, segundo ele, é uma das árvores no Sertão que podem ser devastadas pela mão humana com autorização do Ibama.
“Vivo da roça, mas perdi tudo. O que me restou foi essa roçadeira para arranjar uns trovados aqui no meu Tará”, diz ele. Tará, onde mora, é uma vila de pouco mais de 500 famílias, cujas casas são enfeitadas por tambores a espera do carro-pipa do Exército que passa uma vez ao dia por ali, fazendo a alegria de muita gente sedenta.

Quem não tem cão, caça com gato, diz o ditado popular. Como não pode mais viver da bacia leiteira do Agreste, dizimada pela maior e destruidora estiagem dos últimos 50 anos, Wellington e Vado Pereira, da comunidade de Santo Antônio, em Pedra, resolveram seguir ao pé da letra o conselho.
Compraram quatro cães farejadores para ajudá-los na caça aos tatus e pebas que também ainda resistem à seca. O Ibama proíbe a matança desses animais, mas para saciar a fome os dois caçadores viraram violadores das leis que preservam a nossa fauna e flora no País.

Peru não é como tatu e peba, intocáveis pelo rigor da lei. A ave que faz a festa dos ricões nas noites de Natal virou o ganha-pão de Severino da Silva, o Biu, outro refém da seca, encontrado na feira de Venturosa. Aos berros, ele chamava a atenção dos feirantes oferecendo o seu peru por apenas R$ 30.
“Tá difícil de vender, o povo tá liso. O máximo que arranjei foi R$ 25, mas só entrego por R$ 27”, disse Biu, exibindo a ave com as mãos calejadas. Com os R$ 30, apurado da sua venda, ele planejava comprar feijão e farinha para levar para os filhos, que, segundo ele, passam fome e sede.
“Esse peru, se eu vender, pode ser a salvação da nossa lavoura lá em casa hoje”, confessou. Detalhe: a ave, da mesma forma que o dono, talvez não tenha agradado ao olho da freguesia porque estava muito magro.
E assim resistem os Severinos que a seca insiste em arrastar para o túmulo nos sertões, enquanto os insensatos de Brasília nada fazem. E costumam tratar o doente com os mesmos remédios de antes – o improviso, a emergência, os paliativos, nunca a solução duradoura.
Fonte: Blog do Magno Martins

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