Por Cláudio Santos
Continuando as reportagenes do jornalista Magno Martins, nosso blog reproduz as matéria sobre aseca que assola nossoestado.
No
trajeto de vidas secas, percorrido por este blogueiro desde
segunda-feira passada, os personagens mudam, mas o retrato é o mesmo.
Tanto faz a cidade, o local ou a estação. O semblante de fome,
desesperança e da longa agonia se reflete nas palavras, nos gestos, nas
emoções, muitas vezes de pingos de gente, outras de gente com
ramificações no poder.
Como
é o caso do aposentado Gilberto Ferreira, 66 anos, o primo pobre do
ex-presidente Lula. Um ano mais jovem do que o parente famoso que se fez
gente na vida, Gilberto não é o de Casa Grande e Senzala, que morava
entre jardins respirando o ar puro de Apipucos. É o Gilberto de Os
Sertões, o Gilberto euclidiano.
Que
sofre e faz novena para São Pedro fazer chover em Caetés, terra seca,
de onde saiu o primo rico para governar o País. Gilberto é refém da
seca, que lhe tirou o sossego e bens, como dez reses que teve que vender
por R$ 5 mil, para não vê-las cair mortas num pedaço de terra árido que
tem no sítio Lages, vizinho a Vargem Comprida, onde nasceu e viveu até
aos oito anos o primo do Planalto Central.
Caetés
também é reino não encantado, mas alucinado de Bardilha, que
enlouqueceu por outras razões, mas respingadas também pela seca, que
tira tudo das pessoas, inclusive a saúde. Negro, esfarrapado e mal
cheiroso, Bardilha vive a esmolar pelas ruas da terra de Lula, sem rumo e
sem documento.
Crianças
ingênuas e até mesmo adultos sem sentimento se divertem com as
imitações de Bardilha na praça central de Caetés. Sua obra prima é o
lobisomem, para assustar crianças, como ele fez numa imagem clicada por
este blogueiro. Mas, na realidade, Bardilha é mais uma vítima da fome
que o poder público se nega a banir das plagas nordestinas, onde a seca
mutila e arruína legiões de excluídos.
No
mundo vasto e aterrorizante dos sertões, em que a fome rima com morte,
Marquinhos, de apenas dois anos, alivia o calorzão tomando banho com
água barrenta num balde exposto ao sol em frente da sua casa, no sítio
Santo Antônio do Tará, em Pedra, onde seu pai Mauro de Almeida está
perdendo a batalha contra seca.
Na
brava tentativa de resistir sem as armas que o poder central lhe nega,
como financiamento para compra de ração, Mauro perdeu 14 vacas boas de
leite e está ameaçado de ficar sem o restante do plantel – duas
novilhas, um jumento e um cavalo.
Ali
próximo, de roçadeira nos ombros, “Seu” José Antônio Feitosa, que sonha
acordado com a volta da chuva, faz bico cortando madeira, especialmente
algorabeira, que, segundo ele, é uma das árvores no Sertão que podem
ser devastadas pela mão humana com autorização do Ibama.
“Vivo
da roça, mas perdi tudo. O que me restou foi essa roçadeira para
arranjar uns trovados aqui no meu Tará”, diz ele. Tará, onde mora, é uma
vila de pouco mais de 500 famílias, cujas casas são enfeitadas por
tambores a espera do carro-pipa do Exército que passa uma vez ao dia por
ali, fazendo a alegria de muita gente sedenta.
Quem
não tem cão, caça com gato, diz o ditado popular. Como não pode mais
viver da bacia leiteira do Agreste, dizimada pela maior e destruidora
estiagem dos últimos 50 anos, Wellington e Vado Pereira, da comunidade
de Santo Antônio, em Pedra, resolveram seguir ao pé da letra o conselho.
Compraram
quatro cães farejadores para ajudá-los na caça aos tatus e pebas que
também ainda resistem à seca. O Ibama proíbe a matança desses animais,
mas para saciar a fome os dois caçadores viraram violadores das leis que
preservam a nossa fauna e flora no País.
Peru
não é como tatu e peba, intocáveis pelo rigor da lei. A ave que faz a
festa dos ricões nas noites de Natal virou o ganha-pão de Severino da
Silva, o Biu, outro refém da seca, encontrado na feira de Venturosa. Aos
berros, ele chamava a atenção dos feirantes oferecendo o seu peru por
apenas R$ 30.
“Tá
difícil de vender, o povo tá liso. O máximo que arranjei foi R$ 25, mas
só entrego por R$ 27”, disse Biu, exibindo a ave com as mãos calejadas.
Com os R$ 30, apurado da sua venda, ele planejava comprar feijão e
farinha para levar para os filhos, que, segundo ele, passam fome e sede.
“Esse
peru, se eu vender, pode ser a salvação da nossa lavoura lá em casa
hoje”, confessou. Detalhe: a ave, da mesma forma que o dono, talvez não
tenha agradado ao olho da freguesia porque estava muito magro.
E
assim resistem os Severinos que a seca insiste em arrastar para o
túmulo nos sertões, enquanto os insensatos de Brasília nada fazem. E
costumam tratar o doente com os mesmos remédios de antes – o improviso, a
emergência, os paliativos, nunca a solução duradoura.Fonte: Blog do Magno Martins
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