Reportagem Especial
O Jornal Nacional vai investigar uma dívida do nosso país com as mulheres. Porque ao mesmo tempo em que as autoridades da saúde recomendam a proteção contra o câncer de mama com exames preventivos, o Brasil deixa milhões de cidadãs sem condições de se proteger. Os motivos e as consequências desse problema estão na primeira reportagem da série de Lília Teles.
G1
O Jornal Nacional vai investigar uma dívida do nosso país com as mulheres. Porque ao mesmo tempo em que as autoridades da saúde recomendam a proteção contra o câncer de mama com exames preventivos, o Brasil deixa milhões de cidadãs sem condições de se proteger. Os motivos e as consequências desse problema estão na primeira reportagem da série de Lília Teles.
Um carocinho na mama direita começou a incomodar Márcia em setembro do ano passado. A partir daí, ela passou a procurar vaga na rede pública do Rio de Janeiro para tentar fazer um exame de mamografia.
“Fui na ginecologista, mostrei e ela disse que poderia não ser nada. Acho que isso tem que ser diagnosticado através de um exame, de uma mamografia, não de uma fala”, lembra.
O medo se justifica. O câncer de mama é a segunda principal causa de morte de mulheres no Brasil, só perde para as doenças do coração.
A estatística é maior a cada ano. O número de mortes cresceu quase 48% em uma década. O diagnóstico precoce é a melhor forma de tornar a doença menos assustadora.
“O método mais indicado para fazer essa detecção precoce é a mamografia. É o melhor exame. Eu consigo diminuir essa mortalidade em até 35%”, explica o presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, Carlos Alberto Ruiz.
Márcia faz uma peregrinação por seis postos de saúde do Rio, tentando uma mamografia. A equipe do Jornal Nacional acompanhou com uma câmera escondida.
A primeira etapa a ser vencida é conseguir um pedaço de papel: uma requisição do exame. Quem fornece é um ginecologista. Mas ela não consegue nem agendar a consulta com o médico.
“Nós não temos "gineco" aqui. O clínico que encaminha para o ginecologista. Aí você vai passar por uma consulta clínica. E eles vão te dar um pedido. Vai para o SUS. Vai para um sistema ainda e dali para onde se vai conseguir uma vaga”, informa uma atendente
Por que é tão difícil marcar o exame? Essa demora poderia ser por falta de mamógrafos. Só que não é. Há no país duas vezes mais aparelhos na rede pública do que o necessário para fazer as mamografias. Mas na hora que precisam deles, as mulheres descobrem quantos obstáculos existem no caminho.
O Brasil tem 1.514 aparelhos que atendem ao SUS. Mas desse total, metade faz menos mamografias do que deveria. O indicado é que cada equipamento faça até 25 exames por dia, mas o número não chega a dez, segundo o Tribunal de Contas da União.
Há equipamentos sem operadores, embalados e sem filme. Segundo o Ministério da Saúde, quase 15% dos mamógrafos estão parados. Como um encontrado no Hospital Municipal da Piedade, no Rio. Uma peça foi roubada em janeiro e ainda não foi reposta.
Em Araguari, no interior de Minas Gerais, a atendente de uma clínica da prefeitura diz que o único mamógrafo da rede pública está guardado. “Nem tem a sala para poder instalar ele”, ela revela.
No posto de saúde, o produtor do JN confirma a falta que faz o equipamento, ao tentar marcar o exame para a mãe.
Produtor: Como que eu faço? Nenhum lugar?
Atendente: Não, pelo SUS, não.
Atendente: Não, pelo SUS, não.
A atendente ainda mostra a pilha de requisições que voltaram de uma clínica particular que perdeu o convênio com a prefeitura. “E quando for fazer, nós temos que dar preferência para esse povo aqui. Você pensa: só aqui deve ter umas duzentas e tantas. A ‘mamógrafa’ vai quebrar de tanta coisa que vai ter de fazer”, diz.
Na viagem que o Jornal Nacional fez a várias regiões do país, ficou claro que a má distribuição de mamógrafos é outro obstáculo no combate ao câncer de mama.
A maior parte dos equipamentos que atende pacientes dos SUS se concentra no Sudeste do Brasil. A maior carência é na Região Norte: o Acre tem apenas um mamógrafo em uso. Roraima tem dois aparelhos na rede pública. Eles estão na capital, Boa Vista, e ficaram parados por seis meses.
E se já é difícil para as mulheres da capital, o que dizer das que vivem no interior do estado, longe dos recursos? Rorainópolis fica a 300 quilômetros de Boa Vista e já bem perto do Amazonas. A longa distância dificulta a busca por atendimento médico e traz sofrimento às mulheres que precisam se tratar.
Com um nódulo na mama direita, Dona Iolete não encontrou recursos no único hospital de Rorainópolis, dois anos atrás. Retirou o seio em Boa Vista. O cuidado agora é com a mama esquerda que precisa de exames periódicos.
A equipe de reportagem acompanhou Dona Ioleti no trajeto de Rorainópolis até Boa Vista para mostrar um pouco dessa dificuldade do caminho até chegar para conseguir um exame de mamografia.
Não havia ônibus para Boa Vista e foi preciso pegar uma van. São 300 quilômetros de muito buraco no asfalto. “Se torna uma viagem cansativa. A gente já chega lá muito cansada”, conta Dona Ioleti.
São cinco horas de viagem. Ela já tinha feito o mesmo percurso na semana anterior, mas o exame não pôde ser marcado. O equipamento está finalmente funcionando, mas isso não é garantia de conseguir agendar a mamografia.
“Não queriam marcar agora. Aí eu tive que reclamar, dizer que era do interior para conseguir. A cada seis meses, eu tenho que repetir. Passar por tudo o que eu passei hoje para conseguir marcar um exame”, lembra.
Talvez um dia, algumas das agricultoras de Rorainópolis precisem fazer o mesmo caminho. A equipe de reportagem encontrou o grupo vendendo legumes e verduras em uma feira livre.
A agricultora Elisabete Araújo revela que nunca fez a mamografia: “Eu nunca tive a oportunidade e porque não sinto nada no meu peito”.
Longe dos médicos, Dona Maria de Fátima recorreu a um remédio popular na roça, sem eficácia comprovada pela ciência. “Eu coloquei foi folha santa e alguma banha para desinflamar meu peito. Remédio caseiro que eu coloquei no peito”, conta.
Em uma terra onde as mulheres se sentem abandonadas, elas seguem a vida do jeito que dá.
Em uma terra onde as mulheres se sentem abandonadas, elas seguem a vida do jeito que dá.
A Secretaria de Saúde de Araguari informou que está construindo uma policlínica, onde vai instalar o mamógrafo que está parado.
Sobre o aparelho que não está funcionando na cidade do Rio, a Secretaria de Saúde afirmou que já encomendou a peça, mas que ainda não chegou ao Brasil.
O Ministério da Saúde anunciou que até 2014 investirá R$ 4,5 bilhões em políticas de combate e tratamento do câncer de mama.G1
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