Por Cláudio Santos
No
trajeto das vidas secas, iniciado ontem por este blogueiro, penetramos
num mundo de sofrimento, dor e emoção. Dor de ir ao encontro de tantos
Severinos, do enredo Morte e Vida Severina. Dos Riobaldos, de Graciliano
Ramos. Seu traço comum é a permanente luta pela sobrevivência numa
região inóspita, marcada pelo abandono, traçada pela morte, identificada
pela fome estampada na face.
Em
Lajedo, o garoto Pedro Neto Alves, o Pedrinho, de apenas 7 anos, é o
mais jovem pastor de ovelhas. Acompanha o pai, tangendo o rebanho de
ovinos e caprinos, pelo meio da estrada, debaixo de um sol causticante,
de chinelo e calção. Bem que poderia, ao invés de pastorear as ovelhas,
estar na escola se preparando para o mundo.
Pedrinho
é magro, desconfiado e gago. Seu semblante, de tristeza. Mas sabe de
cor e salteado o nome de todos os bodes e ovelhas da criação do seu pai.
E até o preço, quando algum animal é colocado à venda. Aprendeu com o
pai, “seu” Salustiano, de 52 anos, a árdua missão de vigiar os bichos
pelo mato a procura de pasto, o que está cada dia mais difícil no
semiárido.
Em Cachoeirinha, terra famosa pelos seus queijos e carne de sol, além das peças produzidas para a indumentária dos vaqueiros, Paulo Silva, o Paulinho, de apenas dois anos, brinca com garrafas de plásticos na beira da estrada, recolhidas pelo pai Francisco e a avo Maria. Seu brinquedo, numa tulha de lixo, é o ganha-pão da família do pai.
Família
encontrada na beira da estrada também, vivendo num barraco em terras
invadidas. A prole de Paulinho cata lixo reciclável pela cidade para
ganhar R$ 60 por mês, quando muito. Dona Maria, a avo, veio de longe, do
Espírito Santo. É uma viúva da seca, retirante lançada à sorte, que
passa fome e sede.
“Só
Deus sabe o nosso sofrimento”, diz ela, uma senhora de 50 anos, mas com
traços de sofrimento que marcam na sua face mais de 60 anos. No seu
barraco, dorme no chão, enfrenta dias de cão e noites infernais, porque
não há nem um colchão para o netinho, que chora de fome e de dor.
Em São Bento do Una, município que se destaca no Nordeste como o maior produtor de frangos e ovos, sendo destaque na avicultura nacional, dona Adélia é outra refém da seca. Perdeu o marido, há pouco, dizimado pelas doenças trazidas pela seca. Vive da cria de porcos no quintal da sua casa no sítio Rajada, a 1 km onde foi encontrada, em frente a um galpão de frangos e galinhas para abate.
Ali,
ela foi fazer o que faz todos os dias: esmolar restos de comida, a
lavagem, para levar aos seus porcos sedentos e famintos. Dona Adélia diz
que tem duas pensões. Com o dinheiro de uma, gasta com água para não
deixar suas criações morrer. Com a outra, paga os remédios na farmácia,
para ela própria não sucumbir.
“Minha
vida é uma tristeza, mas vou levando assim, como Deus quer”, afirma
Adélia em meio aos tonéis numa carroça que usa todos os dias recolhendo
lavagens nos aviários da cidade.
Jurandir de Oliveira Silva, agricultor de mãos calejadas, aos 48 anos, vive, hoje, na zona rural de Gravatá, catando peixes quase mortos num riacho enlameado, quando poderia estar na sua roça de milho e feijão, que perdeu completamente, devastada pela forte estiagem que se abate na região.
“O peixe fede, mas serve para matar a fome dos meus filhos em casa. Não temos outra forma de matar a fome”, diz ele. Jurandir
já se acha velho para tentar a sorte em São Paulo, de onde voltou há 10
anos. Lá, trabalhou como ajudante de pedreiro e vigia, mas não aguentou
a cidade e voltou à pátria natal para se transformar também em refém da
seca.
A
seca é assim: escraviza, cria uma legião de esfomeados. Fáceis de serem
encontrados em qualquer parte dos sertões euclidianos. Gente que não
tem bolsa família nem qualquer tipo de ajuda dos órgãos públicos e que
espera apenas uma coisa na vida: que volte a chover em seu torrão, para
iniciar tudo de novo: o plantio da lavoura, que adiante não vai
resistir, mais uma vez abatida pelo sol implacável da maior seca dos
últimos 50 anos no Nordeste. Fonte: Magno Martins
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