VEJA
Se
julgamento dos mensaleiros ficar para 2013, como prevê o ministro
Ricardo Lewandowski, STF deixará para o Brasil a mensagem de que o crime
compensaDesde que foi oferecida a denúncia contra os réus, em 2006,
Lewandowski protagonizou as principais celeumas em torno do caso. As
duas primeiras ocorreram durante a aceitação da denúncia, em 2007. A
princípio, o ministro foi flagrado no dia do julgamento trocando
mensagens de computador com a ministra Cármen Lúcia sobre os votos dos
colegas
Em
fevereiro de 2006, o desembargador Ricardo Lewandowski foi indicado pelo
presidente Lula para ocupar uma cadeira na mais alta corte do país, o
Supremo Tribunal Federal. Era o primeiro ministro nomeado pelo petista
desde a descoberta, no ano anterior, do escândalo do mensalão, o maior
esquema de corrupção da história do país. Ao ser entrevistado por
emissários do Planalto e conversar com Lula antes da indicação,
Lewandowski já tinha plena consciência de que teria, nos anos seguintes,
a missão de julgar o processo que resultaria da revelação de que o
governo do PT pagara mesada a parlamentares em troca de apoio político. O
ministro não só conhecia essa realidade como era próximo a figuras de
proa do partido. Formado na Faculdade de Direito de São Bernardo do
Campo, berço sindical do petismo, e professor com mestrado e doutorado
na Universidade de São Paulo, ele conhecia a família Lula desde jovem.
Sua mãe, por exemplo, era vizinha da ex-primeira-dama Marisa Letícia.
Relações pessoais com poderosos não impedem ninguém de assumir cargos
públicos de relevo. Para assentos no STF, são exigidos notório saber
jurídico e reputação ilibada. Além desses dois requisitos
constitucionais, espera-se de um ministro da suprema corte independência
com relação ao presidente da República que o indicou. É nessa seara que
a movimentação de Lewandowski tem causado apreensão.
Desde
que foi empossado, sua atuação só chamou atenção quando foi portadora
de maus presságios — para a opinião pública e as instituições — sobre o
caso do mensalão. Na semana passada, essa situação chegou ao paroxismo.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele informou que só
pretende concluir seu voto no processo em 2013 — o que prorrogaria ainda
mais o desfecho do caso, cuja conclusão está prevista para o primeiro
semestre de 2012. Por trás de uma questão meramente temporal há uma
série de desdobramentos políticos, todos eles favoráveis ao PT e à
camarilha que figura como ré no processo. O próprio Lewandowski admite
que, com o adiamento, poderá haver prescrição de boa parte dos crimes
imputados aos mensaleiros. Entre os quais, o de formação de quadrilha,
acusação que pesa sobre os ombros do comissário José Dirceu, ex-chefe da
Casa Civil.
Outro
possível desdobramento tende a influir no mapa dos votos. No próximo
ano, os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto terão de se
aposentar. Os dois fazem parte de um grupo de cinco ministros apontados
como defensores da condenação dos réus. Se Lewandowski consumar o
adiamento para 2013, Britto e Peluso não participarão do julgamento.
Darão lugar a substitutos indicados pela presidente Dilma Rousseff. Se
depender do PT, tais substitutos serão camaradas exemplares e,
obviamente, pró-absolvição. Desde 2006, o partido conseguiu emplacar
ministros com esse perfil mais amigável. Dilma manteve a toada com a
recente nomeação de Rosa Maria Weber, uma juíza do Trabalho de carreira,
com pouca intimidade com questões criminais. Ou seja: se o julgamento
ocorrer após a aposentadoria de Britto e Peluso, o PT terá mais chance
de conseguir formar uma maioria segura na corte que impeça a condenação
de seus líderes. Assim, poderá evitar que o maior caso de corrupção da
história do Brasil prejudique os projetos eleitorais do partido. Essa
estratégia ardilosa, obviamente, não passa despercebida no plenário do
Supremo.
Atentos
à movimentação, ministros do STF já reagiram. Lewandowski justificou a
possibilidade de adiamento com um argumento sólido como as nuvens: só
leria todos os volumes do processo depois de receber uma espécie de
resumo do caso elaborado pelo relator do processo, Joaquim Barbosa. No
papel de revisor, Lewandowski teria de começar tudo do zero, como
afirmou. Uma heresia jurídica devidamente rechaçada. Logo após a
entrevista ter sido publicada, o presidente do STF, Cezar Peluso, enviou
um ofício a Joaquim Barbosa pedindo que ele disponibilizasse
imediatamente a íntegra do processo para todos os ministros, a fim de
que eles já pudessem estudar o caso a fundo e, se quisessem, preparar os
votos. A medida não era necessária. Há anos todos os autos do processo
do mensalão estão disponíveis na internet para os advogados dos réus, os
integrantes do Ministério Público e, obviamente, os ministros da corte.
O ofício de Peluso era, na verdade, apenas um gesto para deixar claro o
incômodo com a ameaça de adiamento. “Não vou deixar a presidência do
Supremo sem colocar esse processo em pauta. Quero fazer isso em agosto,
no máximo”, diz ele.
Ayres
Britto, o outro ministro ameaçado de não participar do julgamento,
também manifestou sua insatisfação. Questionado sobre a possibilidade de
não julgar o mensalão, foi sucinto e irônico: “Não trabalho com essa
hipótese. Quem sabe o ministro (Lewandowski) recebendo
fisicamente o processo não facilite”. Lewandowski tem uma posição
particularmente privilegiada para atravancar o processo. Ele exerce o
papel de revisor da ação. Em ações penais, como a do mensalão, dois
magistrados têm o dever de avaliar o processo antes dos demais:
primeiro, o relator; depois, o revisor. Mas é o segundo que fica
responsável por pedir que seja marcada a data do julgamento, depois de
analisar o caso e preparar seu voto. Não existe legalmente um prazo para
que ele cumpra essa tarefa, mas ministros ouvidos por VEJA estimam que
três meses seriam suficientes para analisar o caso do mensalão. Na
prática, tudo dependerá do embate entre a pressão do PT em favor do
adiamento e a pressão de integrantes do Supremo e da sociedade em defesa
do bom andamento das instituições. O próprio Dirceu já disse que
acredita em sua absolvição no voto, por falta de provas, e não por
prescrição. Portanto, que ocorra a votação em tempo hábil.
Chamado
de “chefe de quadrilha” na denúncia do Ministério Público, Dirceu
responde por formação de quadrilha e corrupção ativa. A prescrição de
tais crimes, se comprovados, depende diretamente da pena aplicada. Como o
processo se arrasta há anos, muitos réus só serão punidos se forem
condenados a penas de longa duração. Trata-se de algo pouco provável.
Como quase todos são primários e não têm antecedentes negativos,
dificilmente receberão penas máximas. Isso se prevalecerem aspectos
meramente técnicos. Ministros do STF afirmam, no entanto, que a ofensiva
petista no processo pode ter um efeito contrário: aumentar a pressão
política em defesa da adoção de penas mais severas justamente a fim de
impedir a prescrição. “É muito cedo para saber se vai ocorrer a
prescrição. Temos de aguardar a conclusão sobre a culpa e a fixação da
pena”, diz o ministro Marco Aurélio Mello. “No entanto, é impensável
majorar a pena para fugir da prescrição, bem como adiar o julgamento por
causa das eleições municipais de 2012.”
Desde
que foi oferecida a denúncia contra os réus, em 2006, Lewandowski
protagonizou as principais celeumas em torno do caso. As duas primeiras
ocorreram durante a aceitação da denúncia, em 2007. A princípio, o
ministro foi flagrado no dia do julgamento trocando mensagens de
computador com a ministra Cármen Lúcia sobre os votos dos colegas. A
revelação das mensagens provocou enorme mal-estar na corte. Dias depois,
Lewandowski agravou ainda mais a situação ao afirmar que os ministros
haviam votado “com a faca no pescoço” e que a tendência do Supremo seria
“amaciar para o Dirceu”. Durante o julgamento que transformou os
mensaleiros em réus, foi Lewandowski quem mais divergiu do relatório de
Joaquim Barbosa, opondo-se inclusive ao enquadramento de José Dirceu e
José Genoíno no crime de formação de quadrilha. Seu alinhamento com a
pauta petista é um péssimo sinal para o vigor de uma instituição
fundamental como o STF.
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