" Sigo em frente, pra frente eu vou
sigo enfrentando as ondas onde muita gente naufragou ..."



segunda-feira, 4 de julho de 2011

Pescador revela que companheiros tiveram delírio de sede

Seis homens ficaram sem destino, perdidos no mar, sem água, sem comida e morrendo de frio. Com pane no motor e com o rádio mudo, o barco ficou à deriva em alto-mar por 26 dias e foi levado pela correnteza.

Do litoral de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, até a divisa do Paraná com Santa Catarina, foram 500 quilômetros de desvio da rota. Uma pane elétrica desliga o motor e corta a comunicação por rádio com o continente. Dois dias depois, terminam o arroz e o feijão que havia a bordo. Eles se alimentavam de peixes enquanto têm forças para pescar.


Mais três dias, e o barco fica também sem água potável. Durante quatro dias, enfrentam uma tempestade. Os pescadores conseguem um pouco de água da chuva, mas se afastam mais da costa. No dia 27 de junho, a 200 quilômetros da costa de Santa Catarina, o Cargueiro Marola, de bandeira italiana, avista o barco.


“Subi no mastro e comecei a sacudir o colete de segurança. Fiquei uns 10, 15 minutos até ele me ver. Aí eu vi que ele veio diminuindo e já fiquei mais feliz”, lembra Cristiano de Souza, um dos pescadores.


Em mar revolto, os choques do pequeno barco de madeira com o imenso casco do navio colocaram o salvamento em alto risco. Nesse momento, Cristiano teve um papel heróico. Ele é o primeiro a subir a bordo, usando uma escada lançada pelos tripulantes do navio. Em seguida, três outros pescadores são içados por cintos de segurança.


Cristiano avisa que ainda há dois pescadores no barco e volta para salvar os companheiros. Ele ajuda os dois a subir no cargueiro. Quando tudo parecia resolvido, o mar revolto derrama uma pilha de caixas sobre a corda amarrada a Cristiano. Ele fica preso ao barco. Precisa soltar o cinto e subir pela escada mais uma vez.


Depois de todos os pescadores passarem para o navio italiano, o barco pesqueiro afunda. Eles se salvam por muito pouco.


Algumas fotos, obtidas com exclusividade pelo Fantástico, foram tiradas por tripulantes do navio italiano e mostram como os náufragos estavam debilitados. Apenas um deles conseguia sorrir, justamente o Cristiano.


Dois dos sobreviventes, Cristiano e Maicon, tiveram alta do hospital. Nós acompanhamos a viagem deles de volta para casa. Na estrada, lembram os momentos mais difíceis que viveram no mar.


Entramos pela noite, na divisa do Rio com o Espírito Santo. Cristiano tenta controlar a emoção, porque vai reencontrar o filho de sete anos. “A gente pensa muito no filho. A gente pensa em todo mundo, mas o filho da gente parece que é metade da gente”, afirma Cristiano.


O pequeno Cristian estava na casa dos avós e corre para os braços do pai. Pai e filho permanecem agarrados, unidos pela emoção, nos quilômetros que faltam para chegar em casa.


Depois de oito horas de viagem, Cristiano e Maicon voltam para Marataízes, no litoral sul do Espírito Santo. Eles estão 20 quilos mais magros. Em compensação, recuperados do susto. E são recebidos com festa.


O pai de Maicon já decidiu: “Agora nunca mais ele vai pro mar. Está proibido”.


Itaipava: o porto que concentra maior número de embarcações de pesca em uma área litorânea do Espírito Santo. Com a maré baixa, os barcos ficam na areia da praia.


Os pescadores voltaram ao mar no local onde tudo começou, quando eles partiram para uma pescaria de rotina, num barco de madeira.


Cristiano completou 33 anos de idade à deriva e brinca com a situação “A gente estava já meio desanimado. Eu falei ‘Gente, eu faço aniversário hoje, vamos pular no mar. O mar está bonito azulzinho, tudo paradinho’”.


Mas o desânimo tomou conta de todos. Teve gente que chegou a delirar de tanta sede. “Sonhava com a comida e, quando acordava, estava no meio do mar perdido. Só bebendo urina, com gosto de urina na boca”, lembra Maicon.


“Há uma série de componentes na urina que mantêm o indivíduo algum tempo. É o ideal? Obviamente não”, esclarece a endocrinologista Ana Cristina Belsito.


“A ingestão da urina acaba levando a uma intoxicação. Essas substâncias que são eliminadas pelo corpo acabam levando a um grau de doença interna do paciente”, revela Luiz Alexandre, diretor do Hospital Souza Aguiar.


Quatro pescadores ainda estão internados em hospitais do Rio. Fora de perigo, todos comemoram o final feliz, depois de 26 dias perdidos no mar. 

G1 

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