Por Claudio Santos
Morreu
nesta sexta-feira (23), aos 80 anos, o humorista Chico Anysio. Ele
estava internado no Hospital Samaritano, na Zona Sul do Rio, havia três
meses. Ao longo de seus 65 anos de carreira, Chico Anysio criou mais
de 200 personagens e foi um dos maiores humoristas do Brasil com
destaque no rádio, na TV, no cinema e no teatro (abaixo, nesta
reportagem, relembre sua trajetória). Ele deixa oito filhos.
Anysio
apresentou uma piora nas funções respiratórias e renal na quarta-feira
(21) e voltou a respirar com ajuda de aparelhos durante todo o dia.
Ele estava no CTI do hospital carioca desde 22 de dezembro do ano
passado por conta de um sangramento. O comediante chegou a ter o
problema controlado, mas apresentou uma infecção pulmonar e retornou à
internação. Ele seguia em sessões de fisioterapia respiratória e motora
diariamente, somadas a antibióticos.
Chico Anysio posa em sua residência, em São Paulo, em junho de 2009 (Foto: Leonardo Wen/Folhapress )
O
ator também já foi submetido a uma laparotomia exploradora,
procedimento cirúrgico que serve para revelar um diagnóstico. Essa
cirurgia fez com que Chico Anysio tivesse um segmento de seu intestino
delgado retirado.
No
final de 2010, ele foi levado ao mesmo hospital com falta de ar. Após
uma obstrução da artéria coronariana ser encontrada, passou por uma
angioplastia, procedimento para desobstrução de artérias. Após 110
dias, teve alta em março do ano passado.
Com
fortes dores nas costas, o humorista foi novamente internado em
novembro. Ficou no hospital durante cinco dias, para receber medicação
intravenosa devido a problema antigo nas vértebras que provocava dor. No
fim de novembro, teve febre e os médicos descobriram uma contaminação
por fungos, tratada com antibióticos. No começo de dezembro, retornou
ao hospital com infecção urinária e ficou internado por 22 dias. Um dia
depois, voltou ao Hospital Samaritano.
Nos
momentos mais críticos, quando esteve no hospital entre dezembro de
2010 e março de 2011, Chico necessitou da ajuda de aparelhos para
respirar e se comunicava com médicos e familiares por meio de mímica.
Durante o período pós-operatório, houve o diagnóstico de um tamponamento
cardíaco, que acontece quando o sangue se acumula entre as membranas
que envolvem o coração (pericárdio).
Durante
o período de internação, que alternou momentos no CTI e em unidades
intermediárias, Chico Anysio apresentou quadros de pneumonia e passou
por sucessivas broncoscopias. As infecções foram tratadas com uso de
antibióticos.
Antes, em agosto de 2010, o humorista precisou ser internado para a
retirada de parte do intestino grosso após ser constatado um quadro de
hemorragia no aparelho digestivo. Em maio de 2009, outra pneumonia o
levou ao hospital.
O personagem mais famoso de Anysio foi o Professor Raimundo (Foto: CGCom/TV Globo)
Rádio e TVFoi no Rádio Guanabara, ainda nos anos 50, que os seus tipos cômicos começaram a surgir. Até o “talento para imitar vozes”, como o proprio Chico descreveria em seu site, evoluir para a televisão. A estreia aconteceu em 1957, na extinta TV Rio, no programa “Aí vem dona Isaura”. Foi lá que o Professor Raimundo teve sua primeira aparição no vídeo, como o tio da protagonista que vinha do Nordeste — até então o programa só havia sido veiculado pelo rádio.
“Até tinha uma coisa de sentar para criar, mas uns nasceram pela voz,
outros pelo tipo, pela personalidade, pela caracterização. Sempre fiz
questão de que eles fossem encontrados sem que eu estivesse presente.
Que alguém dissesse: "'Na minha terra, tem um Pantaleão. No Rio tem
muito Azambuja’”, explicou o humorista ao “Estado de S. Paulo”, em 2009.
Num
tempo em que ainda não existiam contratos de exclusividade, Chico pôde
fazer participações especiais em programas de outras emissoras e em
chanchadas da Atlântida.
O “Chico Anysio Show”, seu primeiro programa de humor, foi lançado no início da década de 60. Foi ao ar pela TV Rio, depois pela Excelsior e em 1982 voltou a ser exibido pela Rede Globo — onde o humorista já trabalhava desde 1969.
O “Chico Anysio Show”, seu primeiro programa de humor, foi lançado no início da década de 60. Foi ao ar pela TV Rio, depois pela Excelsior e em 1982 voltou a ser exibido pela Rede Globo — onde o humorista já trabalhava desde 1969.
A cantora Elza Soares e Chico Anysio durante show em São Paulo em 1967 (Foto: Agência Estado)
Mas
foi na Globo que teve seus programas humorísticos de maior sucesso e
onde desenvolveu a maioria de seus personagens. Entre as atrações,
destaque para “Chico city” (1973-1980), “Chico total” (1981 e 1996) e
“Chico Anysio show” (1982-1990).
Alguns
desses personagens quase que se misturam à história da televisão
brasileira, como o ator canastrão Alberto Roberto, o pão-duro Gastão
Franco, o coronel Pantaleão, o pai-de-santo Véio Zuza, o velhinho
ranzinza Popó, o alcoólatra Tavares e sua mulher Biscoito (Zezé Macedo) e
o revoltado Jovem.
Com
o passar dos anos, novos tipos eram criados e incorporados ao
programa: o funcionário da TV Globo Bozó, que tentava impressionar as
mulheres por conta de sua condição; o mulherengo e bonachão Nazareno,
sempre de olho nas serviçais; o político corrupto Justo Veríssimo; e o
pai de santo baiano e preguiçoso Painho são alguns dos mais populares.
Apresentada
como quadro em outros programas desde a década de 1980, a “Escolinha
do Professor Raimundo” tornou-se uma atração independente em 1990. No
ar até 2002, o humorístico lançou toda uma geração de comediantes.
Entre os “alunos” revelados pelo “professor Chico” estão Claudia
Rodrigues, Tom Cavalcante e Claudia Gimenez.
Chico
também atuou em novelas e especiais da Globo, como “Pé na jaca”
(2007), “Sinhá Moça” (2006), “Guerra e paz” (2008) e “A diarista”
(2004). Chico Anysio também teve um quadro fixo no Fantástico por 17
anos (de 1974 a 1991), e supervisionou a criação no programa “Os
Trapalhões” no início dos anos 90.
Chico
exibe prêmio do Festival do Rio com a equipe do longa 'A hora e a vez
de Augusto Matraga', em 2011 (Foto: Alexandre Durão/G1)
Cinema
A incursão mais recente de Chico Anysio no cinema foi como dublador. É dele a voz do protagonista da animação “Up - Altas aventuras", animação do estúdio Pixar. Antes disso, o humorista fez uma participação especial no recordista de bilheteria “Se eu fosse você 2” (2008), de Daniel Filho. “Nos créditos finais fiz questão de colocar ‘senhor Francisco Anysio’. Ele é um astro, merece ser tratado com toda reverência”, explicou o diretor em entrevista ao G1 durante o lançamento do longa.
Em
1996, o humorista interpretou o personagem Zé Esteves, pai da
personagem-título, em “Tieta”, de Cacá Diegues. O trabalho coincidiu com
o aniversário de 25 anos da estréia de Chicono cinema, na
pornochanchada "O doce esporte do sexo". Antes havia participado de
comédias como "Mulheres à vista" e "Cacareco vem aí".
Em
2011, em sua última aparição pública, recebeu o prêmio especial do
Júri do Festival do Rio pelo seu desempenho no longa “A hora e a vez de
Augusto Matraga”, do diretor Vinícius Coimbra.
"O filme é importantíssimo, a obra é linda. Vinícius realizou algo quase inacreditável. É um filme que, tenho certeza, Sergio Leone assinaria com alegria", destacou o bem humorado Chico, que fez questão de receber o Troféu Redentor pessoalmente, mesmo de cadeira de rodas.
Literatura e artes plásticas"O filme é importantíssimo, a obra é linda. Vinícius realizou algo quase inacreditável. É um filme que, tenho certeza, Sergio Leone assinaria com alegria", destacou o bem humorado Chico, que fez questão de receber o Troféu Redentor pessoalmente, mesmo de cadeira de rodas.
Além de se dedicar ao humor, Chico também foi artista plástico. Apaixonado pela pintura, retratou paisagens ao redor do mundo a partir de fotografias que tirava dos países que visitava. Realizou exposições de seus quadros em diversas galerias do Brasil e chegou a afirmar que gostaria de ter dedicado mais tempo à atividade.
“Porque teria tido mais tempo para aprender, para melhorar. Teria mais
tempo para me tornar conhecido e aceito, para vender meus quadros por
um preço melhor. Cheguei a admitir que a pintura seria meu emprego da
velhice, mas não vai ser, porque ninguém está comprando nada de obra de
arte, e pintar para guardar é terrível”, disse em entrevista à “Folha
de S. Paulo”, em 2007. Foi autor de 21 livros, tendo publicado vários
best-sellers na década de 70, como "O Batizado da vaca", "O telefone
amarelo" e "O enterro do anão". Sua última publicação foi “O canalha”,
lançada em 2000.
“É a história do cara que participou de todos os governos, desde
Eurico Gaspar Dutra até o primeiro mandato de Fernando Henrique. Foi
ele o responsável por todas as canalhices que ocorreram de lá para cá,
como dar um revólver de presente a Getúlio Vargas”, explicaria o
escritor Chico Anysio em entrevista à revista “Época”, no mesmo ano.
Outra de suas obras de destaque na literatura é o bem humorado manual
“Como segurar seu casamento”, também de 2000. Na época, advertiu os
leitores: “Não dou conselhos, transmito os erros que cometi e foram
cometidos em cinco casamentos. Conviver é a arte de conceder. Essa troca
de concessões gera a convivência harmônica”, comentou.
Chico Anysio em 2009, depois de entrevista em seu apartamento na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio (Foto: Aline Massuca/AE)
Carreira esportivaCaçula de oito irmãos, Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho nasceu no dia 12 de abril de 1931, no município de Maranguape, no Ceará. A cidade constantemente era citada de forma saudosa pelo humorista – seu personagem mais popular, o Professor Raymundo, era de lá.
“Maranguape, cidade de que tanto falo, representa uma grande saudade. Foi um pequeno paraíso, o Éden da minha infância durante gloriosos anos. Foi lá que aprendi a ler sozinho”, escreveu o humorista em seu site oficial.
Aos
7 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, após a falência da empresa de
ônibus da família. Morador do Catete, contrariou a vontade do pai e do
irmão mais velho — botafoguenses convictos — e se tornou vascaíno.
Sonhava em ser jogador de futebol.
Mas
a carreira esportiva logo foi esquecida, quando Chico passou em testes
para ser locutor e ator da Rádio Guanabara. Ele ficou em segundo
lugar, perdendo apenas para Silvio Santos.
Nos anos 50, também trabalhou nas rádios Mayrink Veiga, Clube de Pernambuco e Clube do Brasil. Foi na primeira que criou o programa que se tornaria um de seus maiores sucessos, "Escolinha do Professor Raymundo", inicialmente composta por três alunos: Afrânio Rodrigues (o que sabia tudo), João Fernandes (o que não sabia nada) e Zé Trindade (o que embromava o professor).
Nos anos 50, também trabalhou nas rádios Mayrink Veiga, Clube de Pernambuco e Clube do Brasil. Foi na primeira que criou o programa que se tornaria um de seus maiores sucessos, "Escolinha do Professor Raymundo", inicialmente composta por três alunos: Afrânio Rodrigues (o que sabia tudo), João Fernandes (o que não sabia nada) e Zé Trindade (o que embromava o professor).
Apesar
da tentativa de se tornar um galã de radionovelas, sua veia
humorística se destacava desde o início. “A rádio Guanabara descobriu
meu jeito para imitar vozes. Neste dia perdi minha chance de ser um
Tarcísio Meira”, contou o comediante em seu site. Foi assim que começou a
compor os mais de 70 tipos cômicos que marcariam sua carreira.
Chico sorri com os filhos Nizo Neto (esq.) e Bruno Mazzeo, no lançamento do DVD 'Chico Especial', em 2007 (Foto: TV Globo)
Casamentos e filhosO primeiro de seus casamentos foi aos 22 anos, com a atriz Nancy Wanderley. Depois foi a vez de Rose Rondelli. Sobre a união com a cantora e ex-frenética Regina Chaves, dizia mal se lembrar. Já com Alcione Mazzeo, rompeu a relação por conta de um ensaio nu. Mas foi seu matrimônio com a ex-ministra da Economia do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello — com quem teve dois filhos — que provocou mais polêmica. "Passou a ser uma pessoa de meu desagrado total. Fui um biombo para ela”, disse Chico à revista “Isto É”, em outubro de 2000.
Antes,
porém, teve seis filhos, entre eles os atores Lug de Paula (famoso por
interpretar o Seu Boneco, da “Escolinha do Professor Raimundo”), Nizo
Neto (o Seu Ptolomeu, do mesmo programa, também dublador) Bruno Mazzeo
(ator e roteirista). Chico também era tio do ator Marcos Palmeira,
filho do cineasta Zelito Vianna, irmão do humorista; e da atriz Maria
Maya, filha de Cininha de Paula, sobrinha do humorista.
Em
novembro de 2009 foi agraciado com a Ordem do Mérito Cultural, a mais
alta comenda do governo brasileiro na área. Da vida, dizia levar apenas
um arrependimento: “Me arrependo enormemente de ter fumado durante 40
anos.”
G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário